domingo, 29 de novembro de 2020

Não é?

«Nós temos tanto para oferecer ao mundo, não é?, que não é sequer a questão do discurso que está aqui em disputa. O que está mais em disputa, não é?, é a nossa capacidade, em termos da autonomia da nossa voz, não é? É sairmos um bocado do acantonamento do lugar só da refutação. Nós para além da refutação temos proposta, não é? Essa é a parte mais essencial. Evidentemente que a refutação faz parte da capacidade propositiva, mas o que mais importa para combater o discurso de ódio é propor uma nova narrativa, um novo discurso, uma nova forma de olhar e de inventar a humanidade e reclamar a ideia de que não há humanidade, não é?, a partir desta ideia enganosa, para não usar um palavrão, não é?, de que o alfa e o omega do mundo partem desta eurocentralidade, não é?, do pensamento de que tudo parte a partir daí, como dizia o Glissantnão é?, nós temos é que matar o homem branco, como nos sugeria o Fanon. O homem branco que nos trouxe até aqui tem que ser morto, ele tem que ser morto. E essa morte, para nós evitarmos — o que dizia o Orlando Patterson — a morte social do sujeito político negro, é preciso matar o homem branco assassino, colonial e racistanão é? E, então, reconstruir uma narrativa é a partir da nossa condição de sujeito. Eu acho que sobretudo nós aqui na Europa temos muito a aprender com o Brasil, não é? Eu nunca tinha ido ao Brasil. A primeira vez que estive no Brasil foi há dois anos e tive o privilégio e a honra de ter a Sueli Carneiro a mediar a minha mesa. Foi um momento enorme para mim. Desatei a chorar sem perceber porquê. Claro que o que estava a falar era a minha memória genética ali, não era só o facto da interacção em si. E eu na altura propus um desafio à assistência: dizer que se nós queremos combater o mundo temos que (?)...izar(?) a humanidade, não é? Porque as nossas pautas não se balizam a partir de uma dimensão cromática do nosso ser e da nossa condição, não é? Elas são muito mais ontológicas, elas resgatam aquilo que a Europa e a branquitude não nos concede, não é? Nós somos inteiros, intrínsecos, e eu costumo dizer* que a consciência negra é muito mais do que só uma efeméridenão é? Porque é uma consciência de si, é a consciência da sua humanidade, da sua inviolabilidade e da sua intemporalidade, não é? E é a consciência de que a nossa humanidade, ela é constitutiva do que é a humanidade em si. Sem nós não havia humanidade**não é? Sem a nossa história — aliás, o afro(?)...cismo(?) é isso mesmo: para que os outros se pensem humanos ou humanas*** eles têm que nos pensar como não humanos, não é? E então um dos nossos esforços no combate ao discurso de ódio é exactamente recentrar a disputa sobre o significado do humano, hoje, não é?, e da sua relação com toda a matéria viva do universo, não é? Ou seja, essa democracia do vivo, não é?, ou seja, a democracia da vida, porque a nossa vida foi sempre — na Europa, então, muito mais ainda, não é? —, ela está sempre a partir da bitola, não é?, da não essencialidade, não é? É por isso que eles ficam absolutamente em psicose colectiva quando reclamamos a nossa identidade. Porque identidade significa ter algo, não é?, a oferecer, algo a partilhar, não é?****»

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Enquanto isso, adivinha-se entre a matilha de jornalistas da visão correcta do mundo — nenhum, que eu tenha notado, aludiu à intervenção do doutor Mamadou — íntima anuência. O fervor concordante de, só por exemplo, dois assanhados plumitivos das causas certas: a activista Joana Gorjão Henriques que adora MB e o totalitário Daniel Oliveira, seu ex-cunhado, que o venera.
E não venham engrolar com o "contexto metafórico". Como me contava a dona Odete, ...
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** Na humana parte que me toca, muito obrigado, meu irmão Ba, e saudações à tia Lúcia.
Perante discurso de dissolução do ódio como este, que caucasiano «inteiro e intrínseco» não fica com vontade irreprimível de abraçar e beijar Mamadou? Só mesmo o abominável SARS-Cov-2 no-lo impede. 

 
**** Por favor, alguém responda à criatura se é.